terça-feira, 11 de setembro de 2012

Fotografia Pernambucana de luto: morre Alcir Lacerda

Foto: Niedja Dias
Faleceu na manhã desta segunda-feira (10) o fotógrafo Alcir Lacerda, aos 85 anos, vítima de infarto. Pernambucano de São Lourenço da Mata, Alcir Lacerda teve uma vida dedicada à fotografia, tornando-se famoso por suas fotos em preto e branco. Trabalhou no Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco, Estado de São Paulo, além de revistas como Manchete, Fatos e Fotos, Cruzeiro, Veja e Placar.
Parte do acervo de fotografias (156 fotos) de Alcir Lacerda pertence à Fundação Joaquim Nabuco. Suas imagens foram testemunhas da história recente de Pernambuco, como o Golpe Militar, a seca, uma enchente e a explosão de uma bomba no Aeoporto dos Guararapes.
Além de ter sido o primeiro pernambucano a testar diversas experiências em fotografia, ele foi um dos protagonistas da profissionalização da fotografia em Pernambuco. Presidiu por duas vezes a Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos de Pernambuco nos anos 1980. Sempre foi respeitado como um professor e articulador, a quem o sentimento de gratidão é sempre revelado pelos colegas mais jovens e mais experientes.

Ele desenvolveu como ninguém, por exemplo, a fotografia publicitária no Recife, além de ter se especializado em fotos para a medicina, em imagens aéreas e em equipamentos como a lente olho-de-peixe.

Alcir Lacerda deixa esposa, quatro filhos, 11 netos e sete bisnetos. 
Familiares e amigos já prestam homenagem ao fotógrafo no Cemitério da Várzea, na Zona Oeste do Recife. O sepultamento está marcado para as 16h, nomesmo local.

:: Biografia
Desde adolescente Alcir Lacerda fotografava os amigos nas festas e nas peladas das várzeas com uma Rolleiflex emprestada. A venda das fotos garantia a compra de mais filmes permitindo que novas fotos fossem feitas, renovando a brincadeira. Alcir não demorou a perceber que aquela brincadeira era o que ele queria fazer pelo resto de sua vida. Assim tem início a trajetória profissional desse autodidata que dominou como poucos o ofício de fotografar em suas múltiplas vertentes, aliando, através da persistência, da seriedade e do talento, a qualidade técnica à sensibilidade.
No final da década de 1950, já um profissional conhecido por suas atividades no fotojornalismo e nos laboratórios da Faculdade de Medicina, Alcir criou, associado ao colega Clodomir Bezerra, a Acê Filmes, empresa que rapidamente se destacou pelos serviços prestados a clientes como Italo Bianchi Publicidade, Alcântara Publicidade, Abaeté Propaganda, MPM, Denison, Star Publicidade, Aliança Publicitária e a jornais e revistas como Diario de Pernambuco, Jornal do Commercio, O Estado de São Paulo, Manchete, Fatos e Fotos, O Cruzeiro, Veja e Placar.
Todos mereceram da ACÊ Filmes o mesmo atendimento que os monoqueiros, doutores e políticos que procuravam a empresa em busca de serviços fotográficos ou os estudantes de fotografia que procuravam Alcir para trocar opiniões em torno do ofício. Um atendimento sempre pautado pelo profissionalismo, a franqueza e a cordialidade.
Além da vertente publicitária e jornalística, nos seus mais de 50 anos de existência, a ACÊ Filmes, através das lentes de Alcir Lacerda e de outros 25 fotógrafos sob seu comando, realizou o registro fotográfico de eventos sociais, particularmente de cerimônias de casamento que, em muitos casos, se desdobraram em novas uniões nas gerações seguintes. A empresa mantém em arquivo grande parte dessas imagens, um acervo que guarda bastante da história recente da sociedade pernambucana.
O talento de Alcir Lacerda foi reconhecido por seus pares e pela sociedade. Em 1973, recebeu o Prêmio Revista Realidade da Editora Abril. Em 1976, o do 1º Salão de Fotografias de Pernambuco. Em 2004, por iniciativa do Governo do Estado, a exposição retrospectiva Alcir Lacerda – fotografias inaugurou, na Torre Malakoff, sala destinada a exposições fotográficas com seu nome. Ainda naquele ano, a Prefeitura da Cidade do Recife outorgou-lhe o Troféu Cultural da Cidade do Recife. No ano seguinte, novamente o meio artístico tornou público esse reconhecimento através da inclusão de suas fotos na prestigiosa Coleção Pirelli do Museu de Arte de São Paulo.
Entretanto, é o reconhecimento pelas novas gerações de fotógrafos que ajudou a formar nos jornais, nos cursos e atividades da ACÊ Filmes ou nos longos e pacientes momentos de conversas, de troca de experiências com novos e velhos parceiros de ofício, na rua, nos campos, nos palcos ou nos recintos fechados dos laboratórios fotográficos, que fazem de Alcir personagem singular e que lhe faz ter a certeza de que cumpriu a missão que o destino começou a traçar, 60 anos atrás, nos campinhos de várzea do Capibaribe.
CRONOLOGIA BIOGRÁFICA
1927 – Em 20 de setembro nasce Alcir Lins Carneiro Lacerda, penúltimo dos dez filhos de Francelino Carneiro Lacerda e Emília Lins Lacerda, no Engenho Concórdia, em São Lourenço da Mata, Pernambuco.
1935 – Muda-se com a família para o Bairro de Caxangá, no Recife, onde cresce entre pescarias e o futebol.
1942 – Começa a fotografar com uma máquina Rolleiflex emprestada de uma vizinha, primeiro os times que iam jogar no bairro e depois as festas de amigos. Com o dinheiro das fotos, comprava outro filme e continuava a fotografar.
1949 – Trabalhando na JM Monteiro, empresa que fazia cópias fotostáticas e heliográficas, tem o seu primeiro contato com um laboratório de fotografias. E revelando filmes foi aprendendo a técnica fotográfica. “Fotografia você aprende no laboratório”, diz Alcir.
1949 – Conhece o artista plástico Lula Cardoso Ayres, com quem cria uma grande relação de amizade e admiração mútua.“Lula, além do grande pintor que era, foi um extraordinário fotógrafo. Saíamos juntos pelas ruas de Casa Forte e do Poço da Panela, olhando os portões de ferro dos casarões, esperando a melhor luz e as sombras, para então fotografar”, lembra Alcir.
1949/50 – Visita pela primeira vez a Praia de Tamandaré e se apaixona. Ao longo de mais de 50 anos cria uma relação especial com a praia e os pescadores da região. O resultado é um rico acervo que mostra uma parte da história deste município.
1950 – Levado pelo irmão Alcêdo, também fotógrafo, associa-se ao Foto Cine Clube do Recife, de Alexandre Berzin. Em 1957 inscreve-se, mais uma vez, no FCCR, desta vez, convidado pelo próprio Berzin.“Na escola de Berzin, só tinha grã-fino: médico, advogado, engenheiro, moças da sociedade. No começo eu ficava meio sem jeito, mas o gringo era um professor e tanto”, lembra Alcir.
1952 – Em 24 de dezembro casa-se com Maria da Conceição Alencastro Almeida, com quem teve cinco filhos: Emília Cristina (1953), Albertina Otávia (1955), Virgínia Maria (1957), Alcir Filho (1960) e Cristiane (1962).
1957 - Com uma Rolleiflex e um ampliador, que ganhara como indenização da JM Monteiro, abre a ACÊ Filmes, em sociedade com Clodomir Bezerra. Neste mesmo ano, Dr. Jayme da Fonte o apresenta ao Diretor da Faculdade de Medicina, Dr. Antônio Figueira. Nomeado como técnico começa a trabalhar como fotógrafo científico no laboratório da biblioteca daquela Faculdade. “Alcir foi o primeiro fotógrafo a se especializar na área aqui no Nordeste e acredito que também no Brasil”, disse o patologista Adonis Carvalho, professor da UFPE.1963 - Começa a trabalhar com Fernando Cascudo na sucursal da Revista Manchete no Recife, fazendo fotojornalismo. Antes já atuava como free lancer para o Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco, Estado de São Paulo e revistas como Fatos e Fotos, Cruzeiro, Veja e Placar, entre outras.
1963/64 – Realiza reportagem fotográfica sobre a seca em Pernambuco, a pedido do governo Miguel Arraes e tem todo esse material, junto com outros negativos, apreendido pela repressão militar, após o Golpe de 64. Nesta mesma época, acompanhando Nelson Chaves à Zona da Mata de Pernambuco, faz a famosa foto da menina no casebre, intitulada E o amanhã? Premiada num concurso da revista Realidade, em 1973, foi publicada em vários veículos de comunicação, inclusive na Time Life. E também foi a imagem da campanha contra a fome da empresa Ítalo Bianchi Publicitários, no Natal de 1977. “Essa foto foi tirada em Ribeirão, no Engenho Covas, durante um trabalho realizado pelo professor Nelson Chaves, sobre nutrição. A menina era uma das treze crianças que moravam naquele barraco de barro e que nem se moviam de tanta fome, e hoje quase nada mudou”, lembra Alcir, emocionado.
1964 – Faz a cobertura fotográfica do Golpe Militar em Pernambuco, inclusive da prisão do então governador Miguel Arraes. “Os soldados me tomaram três filmes, até que eu bati um e escondi dentro do sapato, de lado, e consegui mandar pra Fernando Cascudo”, conta Alcir, rindo.
1966 – Fotografa uma das maiores enchentes do Recife, da qual inclusive foi uma das vítimas, perdendo todo o seu acervo de Revistas Manchete e o seu Aero Willys.
1966 – Cobre, minutos depois do ocorrido, o episódio da explosão de uma bomba no Aeroporto dos Guararapes, na visita do general Arthur da Costa e Silva ao Recife, que estava em campanha para a presidência da República.
Década de 1970 – Auge da ACÊ Filmes, que chega a contar com 25 fotógrafos em seu quadro de funcionários.
1971 – Inauguração da agência Ítalo Bianchi Publicitários Associados. Junto com o publicitário italiano e com as primeiras agências de propaganda do estado, contribui para a profissionalização da fotografia de publicidade em Pernambuco. Ainda com recursos rudimentares, participa de campanhas para agências pioneiras como a Ítalo Bianchi, Alcântara Publicidade, Abaeté Propaganda, MPM, Denison, Star Publicidade, Aliança e outras.“Do meio publicitário eu devo ter sido um dos primeiros a conhecer o Alcir. E comecei a trabalhar com ele. Não existiam fotógrafos especializados na área. E o Alcir era um grande profissional, talentoso, com uma boa vontade incrível”, comentou Ítalo Bianchi.
1971 - Inaugura no Pátio de São Pedro, junto com os fotógrafos Nelson Santos e Vladimir Barbosa, uma loja com exposição e venda de fotografias. “Foi um negócio pioneiro, pois, além dos turistas, que pagavam em dólar, nós vendíamos fotografias para arquitetos e decoradores também”, diz Alcir.
1973 – Fotografa, passo a passo, a abertura da Av. Dantas Barreto e a derrubada da Igreja dos Martírios. “Foi triste demais... eu assisti a tudo da janela... aquele casario tão lindo, de São José, sendo demolido e a Igreja “atrapalhando o progresso”... Na calada da noite derrubaram Martírios”.
1976 – Duas fotos suas são premiadas no I Salão de Fotografias da Cultura de Pernambuco, promovido pelo então Departamento de Cultura, da Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco. As fotos eram Duas épocas e Amor em ruínas.
Década de 1980 – Preside, por duas vezes, a Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos de Pernambuco, período em que promove várias exposições e cursos de fotografia. “A mais importante foi em 1986, uma grande exposição coletiva, em homenagem a Lula Cardoso Ayres, nas calçadas da Rua do Sol, na beira do Rio Capibaribe. Foi um espetáculo... as pessoas paravam pra olhar e o trânsito engarrafou...”, lembra Alcir.
Maio de 1988 – participa da exposição coletiva O negro ontem e hoje, em comemoração ao centenário da abolição da escravatura no Brasil, na Galeria Vicente do Rêgo Monteiro da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife.
Década de 1990 – Participa ativamente dos movimentos e lutas da classe jornalística. É membro do Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco.
1997 – Para comemorar os seus 70 anos, os fotógrafos do Jornal do Commercio, liderados pela então editora de fotografia, Renata Victor, montam a exposição Homenagem ao mestre Alcir Lacerda – a foto na grafia do JC, na Galeria Observatório Arte Fotográfica.
2000 – Transfere a ACÊ Filmes do Edifício Inalmar, na Av. Dantas Barreto, para uma casa na Rua Tabira, nº 203, onde permanece com o seu laboratório de fotografia preto e branco, o único no Recife.
Setembro de 2000 - participa da exposição coletiva Retratos pernambucanos, no Museu da Abolição, no Recife, promovida pelo 5ª Superintendência Regional do IPHAN em parceria com a Fundarpe/Governo do Estado de Pernambuco.
2002 – Alunos do Curso de Comunicação Social/Jornalismo, da UFPE, Felipe Lacerda Malta (seu neto) e Inês Calado, escolhem a fotografia de Alcir como tema do projeto de conclusão de curso. O resultado da pesquisa resultou no site Retrato em Preto e Branco (www.retratoempretoebranco.com.br) e recebeu a nota máxima da banca examinadora.
2001/2002 – Na noite do dia 31 de dezembro de 2001, realiza um antigo sonho: mostrar suas fotografias, feitas ao longo de 50 anos, ao povo de Tamandaré. A exposição Tamandaré dos pescadores de sonhos e de peixes foi patrocinada pela Prefeitura Municipal, cujo prefeito, Paulo Guimarães, é natural da terra e antigo pescador.
Fevereiro/março de 2003 – participa da exposição coletiva Carnaval, em homenagem aos 100 anos do fotógrafo Alexandre Berzin, na Torre Malakoff, no Recife, promovida pela Fundarpe/Governo do Estado de Pernambuco.
Março de 2004 – O Governo do Estado de Pernambuco, através da Secretaria de Educação e Cultura, promove uma mostra retrospectiva de sua obra intitulada Alcir Lacerda – fotografia, na Torre Malakoff, com curadoria do fotógrafo Fred Jordão e de Betty Lacerda. Nesta ocasião foi inaugurada, também, uma sala com o seu nome, para exposições fotográficas. Esta exposição também foi apresentada em Garanhuns, no 14º Festival de Inverno, em junho do mesmo ano, com curadoria de Betânia Correia de Araújo.
Setembro de 2004 – A Prefeitura da Cidade do Recife confere a Alcir o Troféu Cultural da Cidade do Recife, referente ao ano de 2003, pela sua contribuição à cultura recifense, em cerimônia no Museu da Cidade do Recife, no Forte de Cinco Pontas.
Entre julho e setembro de 2004 – participa de uma expedição fotográfica pelo Rio São Francisco, patrocinada pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco. “Pela terra, pelo ar e pelo rio, da nascente a foz, percorri mais 3,2 mil quilômetros, junto com Tereza Branco e Severino Silva, fotógrafos da Chesf. Produzi mais de 1.200 fotografias em filme preto e branco. Até agora é inédito, foi um dos trabalhos mais importantes que já fiz, uma viagem maravilhosa...”
Agosto de 2005 – O Caxangá Ágape de Pernambuco presta homenagem a Alcir com o troféu Fotógrafo Agapeano de Ouro, pela passagem dos 60 Anos do Caxangá Ágape.
Novembro de 2005 – O Museu de Arte de São Paulo/MASP e a Pirelli conferem prêmio a Alcir, adquirindo quatro fotografias do seu acervo para compor a Coleção Pirelli, sob a guarda daquele museu.
Alcir continua sendo um dos fotógrafos mais requisitados para cobrir os eventos sociais da cidade. “Acompanho, até hoje, gerações e mais gerações de famílias. Já fotografei as bodas de ouro de casais que eu fiz o casamento, já pensou? Tô velho... mas sou um homem realizado. Acho que é porque sempre fiz o que mais gosto que é fotografar. Meus netos estão se formando, trabalhando, quase todos casados e já tenho sete bisnetos. É menino que não acaba mais, ainda quero ver nascer uma bisneta”.Os netos - Mariana (1976), Isabela (1979), Pedro (1979), Felipe (1980), Clara (1980), Romero (1981), Bárbara (1983), Bernardo (1985), Marília (1989), Felipe e Henrique (1995). E os bisnetos - Tyago (1995), Roberto (2001), Bernardo (2007), Gabriel (2008), João (2009), e, em 2011, nasceram Felipe e Caio.
Agosto de 2012 - Em meio as celebrações do Dia Mundial da Fotografia, na noite do dia 20 de agosto, alunos, ex-alunos e professores do curso de Fotografia, assim como familiares e admiradores, lotaram o auditório da Livraria Cultura para ver de perto e homenagear o grande nome da noite, o mestre Alcir Lacerda.
10 de setembro de 2012 - Durante a madrugada, sofreu um infarto, sendo socorrido para o Hospital Albert Sabin, onde faleceu no início da manhã

Fonte: Fundaj

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